Durante
boa parte da minha vida eu fui de esquerda. Mas o que significa “ser
de esquerda”? O esquerdista é, resumidamente, o cidadão que põe
o coletivo acima do individual. E o faz por uma razão muito nobre:
ele deseja o bem para a maioria das pessoas. Como vivemos num mundo
onde a maioria das pessoas passa grandes dificuldades, enquanto uma
minoria goza de uma vida tranquila, essa opinião parece sensata. É o sentimento cristão de fazer bem ao próximo, de
dividir o pão, de compartilhar. É um sentimento bom e nobre.
Infelizmente, o raciocínio está errado, e esse erro faz com que
milhões de esquerdistas, em sua grande parte pessoas de bom coração
e nobres intenções, trabalhem todos os dias para tornar a vida da
maioria ainda mais difícil e sofrida. Eu, particularmente, continuo
desejando o bem para todas as pessoas desse mundo – com relação a
isso meu pensamento não mudou. O que mudou foi o caminho para se
atingir esse ideal.
Tal
mudança não se deu de forma rápida nem indolor. Quando tratamos do
sofrimento das pessoas, o apelo emocional se torna inevitável. Era
urgente a necessidade de achar razões para explicar esse estado de
coisas e, talvez ainda mais importante, achar um inimigo contra o
qual lutar – pois só assim seria possível ter esperança num
futuro melhor. Para isso a escola marxista foi fundamental. É
quase impossível dizer-se de esquerda hoje em dia sem defender algum
grau de marxismo. Karl Marx foi quem compilou todo o edificio teórico
que explicava tanto as razões desse mundo injusto e cruel, quanto a
forma de superá-lo. Nos enormes quatro tomos de sua magna opus, o
alemão explicava tudo. E para quem não tivesse coragem de ler O
Capital por inteiro (como eu e como a grande maioria dos
esquerdistas) ele ainda deixou sua versão “for dummies”, o
panfleto incendiário do Manifesto do Partido Comunista.
Para o que pretendia provar, Marx foi
genial: utilizou-se das maiores construções
que o pensamento humano conseguiu produzir até então: a teoria
econômica inglesa, o socialismo francês, o idealismo e o
materialismo alemão... Smith, Ricardo, Saint-Simon, Proudhon, Hegel,
Feuerbach, todos esses pensadores foram trabalhados com precisão
pelo velho barbudo. Infelizmente ele escolheu suportar todo seu edifício em premissas falsas. Por exemplo, sua teoria do valor.
A teoria
da mais-valia é um dos principais pilares do castelo marxista.
Através deste conceito se explica a exploração econômica, e daí
a atual luta de classes. Ocorre que essa teoria (e por consequência
boa parte do castelo) parte de uma premissa equivocada, qual seja, a
ideia de que o valor é proporcional ao tempo decorrido durante o
trabalho necessário a se produzir determinado bem. A primeira
refutação que nos ocorre é que o valor assim entendido teria de
ser algo estático, cristalizado no objeto produzido. Uma análise
mais cuidadosa (realizada posteriormente por críticos como Carl
Menger e Ludwig von Mises) viria a demonstrar que o valor não é
embutido no objeto, mas sim emprestado pelo sujeito, e por isso
variável e dinâmico.
E assim
poderíamos seguir analisando outros conceitos marxistas, até fazer
ruir todo seu enorme edifício, tarefa que não cabe reproduzir aqui,
até porque já foi muito melhor realizada por pensadores que vieram
depois dele, cuja extensa literatura pode ser facilmente encontrada
nas boas livrarias ou na internet. O que se precisa dizer, e se
lamentar, é que o marxismo infelizmente ganhou ares de doutrina,
tornando seus defensores pessoas extremamente fechadas, avessas a
qualquer proposta crítica, quase dogmáticas. A teoria, que no
primeiro momento deveria ser dialética, estacionou. Como isso
aconteceu? Não sei. Arrisco supor que tenha sido pela introdução
do elemento conspiratório na filosofia. Uma boa conspiração é
aquela que não pode ser comprovada. Ela precisa estar sempre por
perto, para de vez em quando preencher as lacunas e as
inconsistências da ideia que se quer defender. Ao se propôr como
“luta de classes”, é
razoável se pensar que aqueles que criticam a teoria não o fazem
tão somente pelo amor às ideias, pela grande vontade de se
aproximar da verdade, mas sim pela vil razão de possuir interesses
escusos, de ser beneficiado pela manutenção do status
quo. O crítico do marxismo
então seria, necessariamente, alguém que estivesse contra as
classes trabalhadoras, alguém que pertencesse à burguesia, ou que
dela dependesse. O nó estava bem dado.
O
mais interessante da suposta “conspiração” contra a classe
trabalhadora, é que ela é sempre a principal beneficiada com o
abandono das políticas de cunho coletivista, e os países de mercado
mais aberto fazem fila para provar. E como se não bastasse, o
status quo é
ferrenhamente defendido por todos aqueles que em tese provocam o
grande mau das massas menos favorecidas. No mundo, as grandes
corporações. No Brasil, grandes empresários como Eike Batista e
Abílio Diniz defendem com unhas e dentes o grande poder concentrado
nas mãos do governo, em nome dos mais nobres “interesses
populares”.
É essa a doutrina que grassa na sociedade brasileira. A teoria
marxista é exaustivamente trabalhada na grande maioria das ciências
humanas, tendo cada um deles seu grande expoente. Exemplos não
faltam: na Pedagogia, Paulo Freire; na Sociologia, Florestan
Fernandes; na Filosofia, Marilena Chauí; na Arquitetura, Oscar
Niemeyer.. e por aí vai. E se a teoria já é estudada sem a devida
crítica no meio acadêmico, que é o centro formador de opinião por
excelência, irradia-se dele uma doutrinação ainda mais forte e bem
menos crítica na forma de produtores culturais que vão desde
editoras como a Paz e Terra até nossos professores de Geografia e
História do colégio.
Conclusão: é muito fácil não ser liberal no Brasil. Para sê-lo,
é preciso nadar contra a corrente. É preciso manter a curiosidade
acesa apesar do mistério apaziguante das conspirações e da
esperança cativada pela emoção revolucionária. É preciso duvidar
dos “bons”, e emprestar os ouvidos aos “maus”, e estar
disposto a abandonar, se necessário, antigas ideias, antigos
costumes, antigos amigos. Não é nada fácil. É tão difícil que
às vezes me pergunto por que me tornei um liberal, se minha vida
teria sido muito melhor se pudesse optar por não sê-lo.
Posso compartilhar esse texto no meu blog, linkando pra cá?
ResponderExcluirPode sim.
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