terça-feira, 11 de dezembro de 2012

por que me tornei um liberal

Durante boa parte da minha vida eu fui de esquerda. Mas o que significa “ser de esquerda”? O esquerdista é, resumidamente, o cidadão que põe o coletivo acima do individual. E o faz por uma razão muito nobre: ele deseja o bem para a maioria das pessoas. Como vivemos num mundo onde a maioria das pessoas passa grandes dificuldades, enquanto uma minoria goza de uma vida tranquila, essa opinião parece sensata. É o sentimento cristão de fazer bem ao próximo, de dividir o pão, de compartilhar. É um sentimento bom e nobre. Infelizmente, o raciocínio está errado, e esse erro faz com que milhões de esquerdistas, em sua grande parte pessoas de bom coração e nobres intenções, trabalhem todos os dias para tornar a vida da maioria ainda mais difícil e sofrida. Eu, particularmente, continuo desejando o bem para todas as pessoas desse mundo – com relação a isso meu pensamento não mudou. O que mudou foi o caminho para se atingir esse ideal.

Tal mudança não se deu de forma rápida nem indolor. Quando tratamos do sofrimento das pessoas, o apelo emocional se torna inevitável. Era urgente a necessidade de achar razões para explicar esse estado de coisas e, talvez ainda mais importante, achar um inimigo contra o qual lutar – pois só assim seria possível ter esperança num futuro melhor. Para isso a escola marxista foi fundamental. É quase impossível dizer-se de esquerda hoje em dia sem defender algum grau de marxismo. Karl Marx foi quem compilou todo o edificio teórico que explicava tanto as razões desse mundo injusto e cruel, quanto a forma de superá-lo. Nos enormes quatro tomos de sua magna opus, o alemão explicava tudo. E para quem não tivesse coragem de ler O Capital por inteiro (como eu e como a grande maioria dos esquerdistas) ele ainda deixou sua versão “for dummies”, o panfleto incendiário do Manifesto do Partido Comunista.

Para o que pretendia provar, Marx foi genial: utilizou-se das maiores construções que o pensamento humano conseguiu produzir até então: a teoria econômica inglesa, o socialismo francês, o idealismo e o materialismo alemão... Smith, Ricardo, Saint-Simon, Proudhon, Hegel, Feuerbach, todos esses pensadores foram trabalhados com precisão pelo velho barbudo. Infelizmente ele escolheu suportar todo seu edifício em premissas falsas. Por exemplo, sua teoria do valor.

A teoria da mais-valia é um dos principais pilares do castelo marxista. Através deste conceito se explica a exploração econômica, e daí a atual luta de classes. Ocorre que essa teoria (e por consequência boa parte do castelo) parte de uma premissa equivocada, qual seja, a ideia de que o valor é proporcional ao tempo decorrido durante o trabalho necessário a se produzir determinado bem. A primeira refutação que nos ocorre é que o valor assim entendido teria de ser algo estático, cristalizado no objeto produzido. Uma análise mais cuidadosa (realizada posteriormente por críticos como Carl Menger e Ludwig von Mises) viria a demonstrar que o valor não é embutido no objeto, mas sim emprestado pelo sujeito, e por isso variável e dinâmico.

E assim poderíamos seguir analisando outros conceitos marxistas, até fazer ruir todo seu enorme edifício, tarefa que não cabe reproduzir aqui, até porque já foi muito melhor realizada por pensadores que vieram depois dele, cuja extensa literatura pode ser facilmente encontrada nas boas livrarias ou na internet. O que se precisa dizer, e se lamentar, é que o marxismo infelizmente ganhou ares de doutrina, tornando seus defensores pessoas extremamente fechadas, avessas a qualquer proposta crítica, quase dogmáticas. A teoria, que no primeiro momento deveria ser dialética, estacionou. Como isso aconteceu? Não sei. Arrisco supor que tenha sido pela introdução do elemento conspiratório na filosofia. Uma boa conspiração é aquela que não pode ser comprovada. Ela precisa estar sempre por perto, para de vez em quando preencher as lacunas e as inconsistências da ideia que se quer defender. Ao se propôr como “luta de classes”, é razoável se pensar que aqueles que criticam a teoria não o fazem tão somente pelo amor às ideias, pela grande vontade de se aproximar da verdade, mas sim pela vil razão de possuir interesses escusos, de ser beneficiado pela manutenção do status quo. O crítico do marxismo então seria, necessariamente, alguém que estivesse contra as classes trabalhadoras, alguém que pertencesse à burguesia, ou que dela dependesse. O nó estava bem dado.

O mais interessante da suposta “conspiração” contra a classe trabalhadora, é que ela é sempre a principal beneficiada com o abandono das políticas de cunho coletivista, e os países de mercado mais aberto fazem fila para provar. E como se não bastasse, o status quo é ferrenhamente defendido por todos aqueles que em tese provocam o grande mau das massas menos favorecidas. No mundo, as grandes corporações. No Brasil, grandes empresários como Eike Batista e Abílio Diniz defendem com unhas e dentes o grande poder concentrado nas mãos do governo, em nome dos mais nobres “interesses populares”.

É essa a doutrina que grassa na sociedade brasileira. A teoria marxista é exaustivamente trabalhada na grande maioria das ciências humanas, tendo cada um deles seu grande expoente. Exemplos não faltam: na Pedagogia, Paulo Freire; na Sociologia, Florestan Fernandes; na Filosofia, Marilena Chauí; na Arquitetura, Oscar Niemeyer.. e por aí vai. E se a teoria já é estudada sem a devida crítica no meio acadêmico, que é o centro formador de opinião por excelência, irradia-se dele uma doutrinação ainda mais forte e bem menos crítica na forma de produtores culturais que vão desde editoras como a Paz e Terra até nossos professores de Geografia e História do colégio.

Conclusão: é muito fácil não ser liberal no Brasil. Para sê-lo, é preciso nadar contra a corrente. É preciso manter a curiosidade acesa apesar do mistério apaziguante das conspirações e da esperança cativada pela emoção revolucionária. É preciso duvidar dos “bons”, e emprestar os ouvidos aos “maus”, e estar disposto a abandonar, se necessário, antigas ideias, antigos costumes, antigos amigos. Não é nada fácil. É tão difícil que às vezes me pergunto por que me tornei um liberal, se minha vida teria sido muito melhor se pudesse optar por não sê-lo.

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